quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Bang!


Charlote não aguentava mais aquela vida. Estava farta daqueles vestidos curtos, daqueles espartilhos que comprimiam seu tórax, os quais ela era obrigada a utilizar para formar uma falsa silhueta, visto que com a idade as coisas mudaram, principalmente em seu corpo. Detestava calçar aquelas meias longas que demoravam muito para se ajustarem as suas pernas flácidas. Há anos ela vivia nessa vida miserável.
            Sua casa, ao mesmo tempo seu local de trabalho, ficava situada às margens de uma estrada poeirenta relativamente movimentada. Era uma casa pequena, tristemente colorida de um tom alaranjado devido à poeira da estrada. Sua frente era composta por uma porta de madeira bastante desgastada que resistia bem a ação do tempo e por uma pequena janela. Charlote era uma prostituta famosa e por isso, sua casa não tinha uma placa informando que aquilo se tratava de uma casa de promiscuidade.
            Em toda a sua vida ela passou por dificuldades. Nasceu em uma fazenda miserável. Seus pais faziam tudo o que o patrão mandava e recebiam uma miséria. Ela e suas três irmãs passavam fome, mas diferente das irmãs, Charlote queria um destino melhor, passava horas a pensar nisso. Não queria ter um destino igual ao de sua mãe, D. Glória, uma pobre camponesa submissa ao marido alcoólatra que era violento e a espancava na frente das filhas.
            Desde pequena mostrara-se uma linda moça. Cresceu e tudo que apresentava alguma pequena imperfeição foi melhorado tornando-a a mais bela mulher daquela região. Tinha os cabelos ruivos quase escarlates capazes de descontrolar qualquer homem. Sua pela além de aveludada era branca como uma vela. Seus olhos azuis-esverdeados tinham, assim como os da Medusa, o poder de petrificar os espécimes masculinos. Seu rosto tinha traços angelicais que escondiam sua verdadeira personalidade. Seu corpo parecia ter sido cuidadosamente modelado. Era todo proporcional e tentador.
            Com tanta beleza foi impossível não ser cortejada. Muitos rapazes brigavam por ela, contudo apenas um ganhou o coração da moça: Billy, o filho mais novo de outro camponês ali da fazenda.
Conheceram-se quando ela lavava roupas. Ela encontrava-se toda ensopada, o que marcava bastante suas formas e que levou Billy à loucura. Sem pestanejar ele foi ao encontro da moça saber seu nome. Mas, tímida que era, afastou-se repentinamente.
– Qual a sua graça?
Recompôs-se e observou a beleza do jovem. Pegou a toalha que iria ensaboar, secou parcialmente as mãos e respondeu apertando as mãos de Billy:
– Charlote, moço.
Depois desse dia, Billy sempre aparecia com novos galanteios até que conquistou de vez o coração de Charlote. Ela passava o dia ajudando a sua mãe e rezando para que a noite chegasse, pois esta trazia consigo Billy, que sempre a levava para contar as estrelas com ele. Entre uma estrela e outra eles aproveitavam para se beijar e acabavam esquecendo onde tinham parado e tinham de recomeçar tudo novamente.
Com o passar do tempo seu amor por ele só amentou, mas ela não podia desistir de seu grande sonho, que era o de sair dali e mudar de vida. Billy tinha uma vida horrível assim como a dela e não dava sinais de que queria sair daquele lugar. Portanto, casar-se agora e ser submissa a um homem não eram seus objetivos de vida.
Decidiu então, com o coração partido e o rosto molhado por salgadas lágrimas, em um seco dia de Agosto, sair dali. Preparou a mala com o pouco que tinha – quatro vestidos, um par de sapatos e uma blusa – e esperou que o negro da noite invadisse a propriedade para que ela pudesse sair sem ser observada. A noite chegou e ela sorrateiramente saiu. Dirigiu-se até a estrada na esperança de encontrar uma carona que a levasse até a cidade. Ficou ali horas até aparecer uma caminhonete azul. O motorista, um sujeito bigodudo de chapéu marrom, perguntou com toda ousadia:
– Quer uma carona, belezinha?
Ela meio sem jeito balançou a cabeça afirmativamente.
– Está esperando o quê? Entre logo!
Ela rapidamente abriu a porta da caminhonete, sentou, colocou sobre as pernas sua mala rasgada e fechou a porta de supetão.
O homem seguiu viagem e enquanto observava aquela paisagem seca e repleta de cactos ele aproveitou para saber um pouco da vida de Charlote e o que ela iria fazer na cidade. Ficou admirado com sua vida miserável e propôs ajudá-la:
– Uma moça bonita como você terá futuro garantido na cidade. Eu vou lhe apresentar a um amigo meu e ele lhe ajudará.
Depois de quase duas horas sentada naquele banco duro sentindo o cheiro do cigarro forte do velho ela desceu em um bar. O local onde se encontrava o tal amigo do bigodudo.
– Gil, você está aí?
– Sim. Já vou aí fora.
Gil apareceu. Era um homem forte, viril e muito alto. Não tinha uma cara simpática e olhou Charlote dos pés à cabeça.
– O que achou do material? Perguntou o velho.
– Excelente! Respondeu Gil.
– Belezinha, você já está entregue e Gil saberá o que fazer com você. Garanto que aqui você não passará fome.
Gil olhou-a novamente e a mandou entrar. Daquele dia em diante sua vida mudou. Gil fez de Charlote a prostituta mais desejada daquela região. Ela teve uma vida regrada a álcool, homens e dinheiro. Esqueceu-se de sua vida miserável, mas não se esqueceu de Billy, seu amor. Agora, ela já tinha dinheiro suficiente para que os dois se casassem e vivessem confortavelmente.
Todavia, para a decepção de Charlote, o tempo passou e Billy não a procurou. Ela envelheceu e foi enxotada do empreendimento de Gil, pois os clientes procuravam as novidades. Decidiu então ir viver em uma casa isolada e continuar vivendo da prostituição. Guardou todo o dinheiro que conseguiu e continuou adquirindo mais, agora em sua velha casa.
Billy também envelheceu, deixou o bigode crescer e tornou-se um dos bandidos mais procurados do velho oeste. Nunca se casou por causa da decepção que teve com Charlote e vive dos roubos bem planejados e atrevidos. Tornou-se um forasteiro impiedoso e cruel. Matar para ele é como beber água.
Um dia, sentado em seu alpendre segurando seu chapéu de couro e afrouxando o lenço que sufocava seu pescoço, ele recebeu a visita de seu irmão mais velho que tinha ido morar na cidade no mesmo tempo em que Charlote sumiu. Ele chegou e contou muitas novidades, inclusive o que tinha acontecido ao grande amor de seu irmão. Billy ficou chocado e maquiavelicamente preparou um plano em sua cabeça. Dois dias depois disso se mandou para a cidade. Demorou um pouco, mas ele conseguiu chegar. Graças a diversas informações conseguiu encontrar a casa de Charlote.
Desceu de seu carro, firmou fortemente um revólver Colt 45 em cada mão, dirigiu-se até a porta e deu um chute tão forte que fez Charlote tremer. Ela, mais que depressa, abriu a porta e ficou chocada com o que viu. Conturbada, deu três passos para trás e reconheceu aquele sujeito. Piscou os olhos e o recepcionou com um belo sorriso. Sem se comover, Billy levantou uma das mãos, puxou o gatilho e a acertou com um tiro no coração. Ali mesmo ela caiu e endureceu com um sorriso no rosto. Billy assoprou a ponta do revólver para que o ferro esfriasse, guardou-o em um de seus bolsos, girou o outro em seu dedo indicador e também o guardou. Olhou para o corpo da prostituta, sorriu e saiu tranquilamente em seu carro rumo ao próximo assalto.

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4 comentários:

Camila disse...

Adoro esse estilo de post <3 Você escreve muito bem, adorei o texto! :)

Beijo!

Cami.


www.delamila.com

Dalvan Linhares disse...

Muito obrigado Camila! Beijos!

Unknown disse...

Que texto incrível, estou até agora parada com o fim dessa história, adoro textos assim que realmente nos prende a atenção, obrigado por mim fazer viajar nessas belas histórias.

Dalvan Linhares disse...

Que bom que gostou, Edimara Freire! Que Deus permita que em 2017 várias outras possam chegar por aqui.

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