quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Um feliz aniversário


Estava sentado naquela dura cadeira da recepção do hospital em um domingo angustiante aguardando notícias de meu amiguinho Gabriel, que se encontrava na U. T. I. De repente, uma ambulância chegou. Aquilo roubou temporariamente meu olhar e minha atenção. Dela saiu em uma maca uma linda menininha da mesma faixa etária que Gabriel. Loirinha e pálida deveria ter vindo de uma festa de aniversário direto para o hospital – um chapéu colorido em formato de cone e um vermelho nariz de palhaço pendurados em sua mão justificam minha hipótese. Atrás dos enfermeiros corria uma mulher desmanchando-se em lágrimas que não pôde ir para o centro cirúrgico e teve de ficar na recepção. Sentou-se ao meu lado e pôs-se a chorar. Olhei-a timidamente e ofereci um copo d’água. Ela aceitou e quando deu o último gole resolvi interagir:
– O que aconteceu? Aquela é sua filha?
– Sim, aquela é minha única filha. Era o aniversário dela... minha Isabela completava seus doze anos até que... até que... – respirou fundo e novamente seu rosto cobria-se de lágrimas – ela passou mal, muito mal.
– E ela já tem algum problema?
– Sim, ela tem insuficiência cardíaca. Ela já teve algumas crises, mas a de hoje nem se compara as outras. A de hoje foi muito forte mesmo! Os médicos já haviam me dito que a solução para o problema dela seria o transplante de um novo coração, mas é muito difícil. Ela é a primeira da fila para o caso de aparecer um transplante, mas eu não conto muito com isso. É muito difícil encontrar alguém que seja um doador no Brasil, um país repleto de seres humanos egoístas, mentirosos e hipócritas.
Concordei com sua fala e continuamos, pois, sentados ali. Rezando e sem receber nenhuma informação. Cabisbaixos, tentando alimentar os melhores pensamentos, mas assumo que estava difícil. Os ponteiros do relógio giravam e com eles meu estômago girava junto. Unhas? Eu não tinha mais.
Minha aflição diminuiu quando vi o médico caminhar em minha direção. A mãe de Gabriel, D. Zélia, que estava algumas cadeiras distantes de mim e mais aflita e desesperada, veio correndo. O médico chegou. Sua cara não era animadora.
– Vocês estão acompanhando o Gabriel?
– Sim! – respondemos uníssonos.
– Nós fizemos vários procedimentos, tentamos de tudo para reanimá-lo, mas infelizmente Gabriel teve morte cerebral.
O médico nem concluiu sua fala e D. Zélia caiu de joelhos gritando aos prantos. Pedia para que trouxessem seu filho de volta. Eu? Meu rosto se desmanchava em lágrimas e eu nem havia me dado conta. Tentava limpar e ser forte, mas a dor era grande demais. As lágrimas descontroladamente rolavam, mas tive de me conter para ouvir o que o médico ainda ia falar. Ele chamou a mãe de Isabela para junto de nós e disse:
– Seu filho se foi, D. Zélia, mas não fique triste, pois ele evitou que tivéssemos duas crianças mortas em uma única noite. Graças ao seu ato de tornar todos os membros de sua família doadores de órgãos, Gabriel salvou a vida de Isabela doando seu coraçãozinho para ela – nesse momento o médico apoiou a mão no ombro da mãe de Isabela e soltou um sorriso comportado.
D. Zélia recompôs-se e foi fortemente abraçada pela mulher que teve a filha salva por Gabriel. Limpando suas lágrimas ela disse:
– Eu posso apenas imaginar a dor que você deve estar sentindo, mas quero que saiba que eu e minha filha seremos eternamente gratas a você e ao seu filho. Ele, um desconhecido, que nem convidado para o aniversário dela fora, deu o melhor presente de todos: a vida.
D. Zélia confirmou com a cabeça e veio me abraçar. Nesse momento, já controlado e conformado, sussurrei ao seu ouvido: “não fique triste. Ele pode ter falecido, mas seu coração ainda pulsa, e com certeza, pulsará muito mais. Pulsará sonhos, alegrias, conquistas, enfim, uma nova vida.”
Ela concordou comigo, limpou as lágrimas e juntos sentamos, bebemos água e ficamos esperando para vermos como estava Isabela. Particularmente, estava doido para ver aquela face pura sorrir cheia de vida e trazer um pouco de alegria para a segunda-feira que se aproximava.

Postagens relacionadas

2 comentários:

Unknown disse...

Mais um belo texto, que traz uma nova história, agora lendo mim venho na cabeça um milhão de lembranças, a lembrança de meu pai no corredor de um hospital e todas as senas tristes que acabei vendo.Meu amigo que linda história comovente que traz um final feliz,acredito que essas duas famílias ficaram muito felizes, sei que existe muitas famílias que precisam de doações e infelizmente são poucas as pessoas que tem noção do quanto uma simples doação pode salvar uma vida, fez bem você abordar esse assunto, parabéns por mais uma bela história.

Dalvan Linhares disse...

Muito obrigado, Edimara, pelo carinho de sempre.

Postar um comentário