O fim do começo
A vida de Alex fluía por entre os dedos de Joana.
Ela sentia o sangue quente de seu amante escorrer por seu braço. Aquilo lhe
dava prazer. Ela se lambuzava com o líquido escarlate e por entre as pernas
descia o prazer. Joana gargalhava e já estava tonta com o cheiro de vida
ultrapassada. Mas ela queria satisfazer-se com tudo o que sobrara de Alex.
Esperneou-se na poça de sangue, molhou a nuca e os cabelos. Por fim, bebeu aquele
sangue todo. Para que o cadáver ficasse limpinho ela passou a língua por
completo em todas as partes de Alex. Enfim ela havia conseguido, fora a última
a se deitar com Alex. Ela se sentia extasiada por isso. Era o fim daquilo tudo.
O quarto estava abafado. Joana levantou-se e
vestiu-se. Tirou a calcinha vermelha e socou-a goela abaixo em Alex.
Delicadamente se virou para a cama e alisou a colcha vermelha eliminando os
amassados. Ajoelhou-se na frente do corpo, sustentou-o em seus braços brancos e
delicados e o colocou sobre a cama. Beijou a testa do morto, que já estava
congelada, e saiu tranquilamente do quarto.
Enquanto descia a escada elegantemente, lembrava o
quanto tinha sido feliz com Alex. Lembrou-se da primeira vez que tinha o visto
há dois anos. Era um homem branco, alto, corpulento e viril. Quando o viu o sangue
ferveu. Seu útero pulou. Queria ser
fertilizada, na verdade estava mais que na hora de ser fertilizada, já tinha
trinta e oito anos.
O restaurante estava um pouco movimentado e ela
tinha vindo acompanhar a irmã num encontro amoroso marcado por telefone. Ela
não fazia ideia de quem era o homem por quem Lívia suspirava. Continuou olhando
para Alex e para sua surpresa ele estava vindo em direção à mesa das duas. Ele
chegou. Sorriu para Joana, mas foi beijar a mão de Lívia. Joana congelou. Seu
útero agora se esvaia com tamanha decepção. O homem por quem ela havia se
interessado era o amado de sua irmã. Ela tomou o restante de suco que tinha no
copo e saiu deixando os dois a sós.
Terminou de descer a escada e sorria ao relembrar
que a irmã fora traída antes mesmo de se casar com Alex. Na noite que antecedia
o casamento de Lívia, Joana vestiu uma calcinha vermelha – a mesma que ela
enfiou goela abaixo no corpo frio e sem vida – e um sutiã preto, acomodou em
seu corpo um vestido que marcava suas curvas e foi até o endereço de Alex. Ao
chegar lá não precisou ter muito trabalho, pois ele não cedeu, a satisfaz na
hora; no chão e sem puder algum.
Dirigiu-se a cozinha para preparar um suco e
enquanto terminava de lamber o sangue que tinha coalhado em seus lábios lembrava
de como fora melhor ainda viver às escondidas com Alex depois que ele havia
casado com a irmã. Como moravam na mesma casa, no momento em que Lívia não
estava em casa ela aproveitava. Seu maior desejo era ser fertilizada por aquele
homem – desejo que ela conservou até hoje. Mas ele não deixava, sempre se
protegia. Ela se irritou com isso e cansou de ser objeto sexual secundário
daquele nojento e resolveu matá-lo. Agora estava com a alma lavada. Contudo,
antes de matá-lo o fez fecundá-la, agora ela era verdadeiramente mulher. Estava renovada. Seu útero fervia. Era como uma
fábrica abandonada há anos que voltava a funcionar. As máquinas trabalhavam, as
chaminés esquentavam e eliminavam fumaça purificadora por todo o íntimo escuro
e gelado de Joana. Ela agora era quente. Era mulher. O calor subia, subia,
subia. Ela queria gritar de prazer. Segurava o cabelo e mordia os lábios.
Queria gritar. Queria mostrar para o mundo como era bom ser mulher.
Seguiu radiante até a geladeira. Mais calma, mas
quente. Queria água para acabar de purificar aquele corpo velho. Queria que um
novo íntimo surgisse. O líquido, cristalino fluído, deveria a percorrer por
dentro e limpar. Era só o começo. A cabeça fervilhava em planos. Joana
continuava velha, mas queria um novo âmago já que agora estava fertilizada.
Abriu a geladeira e ao mesmo tempo em que segurou na porta do eletrodoméstico
algo gelado entrou vagarosamente em suas costelas. Ele sentiu uma dor fina.
Parecia não estar mais se renovando. Algo jorrava para fora dela, algo só dela.
Sentiu novamente a dor, e mais uma vez, e mais uma vez, até que parecia estar
toda se esvaindo. Tudo saia e ela não tinha mais controle. Algo estava errado,
ela tinha certeza que não estava se renovando. Juntou todas as suas forças e
conseguiu, depois de muito esforço, enxergar Lívia sorrindo atrás dela
segurando firmemente uma enorme faca ensanguentada na mão. Tentou ficar de pé,
mas sem sangue ela não era nada. Seu sangue jorrava, jorrava, jorrava. Lívia
gargalhava. Enxergou um mar vermelho vivo. Era bem convidativo. A água brilhava
e parecia ferver. Era um imenso concentrado de vida renovadamente selvagem.
Resplandecia. Joana fechou os olhos e mergulhou no mar. Nunca mais voltou a superfície.
6 comentários:
Mais um belo texto, e uma incrível história, essa superou todas, sente até medo, mais faz parte, quando a leitura é boa você entrar na história sem perceber e acaba sentindo tudo que os personagens sentem, meu querido amigo, fico feliz pelo o seu progresso como escritor, vejo que a cada dia os seus textos se modificam, claro sempre pra melhor.
Muito obrigado, Edimara!
Olá.
Amei seu texto.
Dá uma super vontade de continuar. Parece que está escrevendo um livro de romance.
Parabéns pelo talento.
beijos.
meumundosecreto
Vanessa Ferreira, muito obrigado pelas palavras.
Belo suspenso, esse olhar introspectivo é bem convidativo. :) João Victor
Muito obrigado, João Vitor! Que bom que gostou!
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